Maternidade recreativa: da patologia à sem-vergonhice 4i5t6l

1g1348

Mães de bebê reborn. Eu não queria ser mais uma a falar desse assunto. Eu juro que não queria. Torci e rezei pra ser algo mais ageiro, que ficasse a um grupo pequeno de pessoas ou, quem sabe, a uma localização geográfica mais específica. Mas não foi o caso. E o meu querido Padre […]

Mães de bebê reborn.

Eu não queria ser mais uma a falar desse assunto. Eu juro que não queria. Torci e rezei pra ser algo mais ageiro, que ficasse a um grupo pequeno de pessoas ou, quem sabe, a uma localização geográfica mais específica. Mas não foi o caso. E o meu querido Padre Fábio de Mello também não ajudou.

Não que ele tenha culpa de nada, com todo o respeito, mas a internet, para o bom e para o ruim, tem essa capacidade de nos fazer amar e odiar viver no tempo em que vivemos, como o grande fenômeno social que é. Respira. Dito isso, vamos ao que interessa, com os cuidados e respeitos pertinentes ao tema – mas, também, com a boa dose de vida real e pensamento crítico que precisamos preservar.

Não vou gastar espaço e nem a sua atenção para explicar do que se trata, porque me interessam, a rigor, os efeitos pragmáticos do que está a acontecer, para além das mobilizações emocionais e emocionadas que estamos a ver por todo canto, inclusive no domingo à noite em rede nacional. Novamente, quase nada contra e, igualmente, quase nada a favor.

Muitas poderiam ser as camadas para conversar a respeito; no entanto, fico no meu cercadinho: se a sua carreira não é impactada por ser mãe de planta, de bicho ou de boneca, eis aqui o seu chá-revelação >>>>>>

Fumaça cinza >>>>>

Você não é mãe.

Podemos posicionar as mulheres que aderiram a este movimento em um espectro que eu resumi como saindo da patologia em direção à sem-vergonhice. Foi uma forma didática que encontrei para dizer que, sim, há circunstâncias em que precisamos avaliar as bonecas como um objeto transicional e compensador de afetos, mas é irresponsável, simplesmente, deixar que os comportamentos que reproduzem as condições da maternidade de humanos – deslocados para um objeto – em a oferecer pequenos privilégios como o abono do dia que se falta no trabalho (“porque meu bebê reborn está doente”) ou a ocupação de vagas de estacionamento para gestantes (com humanos de verdade em seu ventre), a confundir a ordem social com uma espécie de delírio coletivo protegido por um pseudo-respeito às individualidades. OU que, ainda, mobilize uma câmara de vereadores para a criação do Dia da Cegonha Reborn. Ora, façam-me o favor.

Individualidades não podem sobrepor o coletivo*. Ponto.

Performar momentos públicos e privados transmitidos online com bebês no colo, em placentas de borracha e barrigas falsas é, para dar um nome educado e minimamente técnico, maternidade recreativa. E, sim, não deixa de ser um sintoma social que merece a devida atenção em termos de origem e destino; as mulheres merecem escuta e todos nós deveríamos ter as devidas lentes com os marcadores étnico raciais e de gênero para produzir uma leitura mais precisa, mas tudo tem limite.

Promover a empatia para quem embala uma boneca não deveria significar comparar o incomparável e produzir mais uma barreira na garantia de direitos para aquelas que, sendo mães de humanos, têm suas vidas profissionais comprometidas, suas rendas reduzidas, suas vidas afetivas prejudicadas e, suas existências, ameaçadas, sob a identidade única de “ser mãe” – muito enaltecida.

Infelizmente, pelos piores motivos.

Que, ao se aplicar à maternidade de uma boneca, higieniza e pretende reivindicar um afeto que não se aplica, sendo, inclusive, perverso no gozo enquanto engana as pessoas ao redor, ofertando assento de ônibus para a “mãezinha”. Que, de mãe, não tem nada.

Se você concorda, discorda ou nem concorda e nem discorda, mas quer continuar essa conversa, eu te espero na comunidade Aminders ou no evento presencial que realizarei em primeiro de julho em Alphaville – SP.

A polêmica é garantida – o senso crítico, também 🙂

Ana Tomazelli é jornalista, psicanalista, Diretora de RH e Doutoranda em Ciência da Religião pela PUC-SP. Fundadora do Ipefem (Instituto de Pesquisa & Estudos do Feminino) e co-Fundadora do Ipecre (Instituto de Pesquisa & Estudos em Ciência da Religião), atua como mentora de carreiras e negócios para quem quer mover o mundo adiante de verdade e sem clichê.

Toda quarta-feira uma provocação fresquinha aqui no LeiaJá 😉